Countdown
Daqui a vinte e quatro horas estarei de férias. Daqui a vinte e quatro horas poderei desligar o despertador e acordar naturalmente, sem pensar que irei chegar atrasada ao trabalho. Daqui a vinte e quatro horas, deixarei de adormecer a pensar se me esqueci de fazer alguma coisa. Daqui a vinte e quatro horas, irei poder respirar fundo e focar só em mim e no que quero na minha vida
Desde que a pandemia, eu, tal como toda a gente, senti que a minha vida entrou em pausa. A vida passou a ser casa-trabalho-casa e mesmo com os desconfinamentos, o medo andava de mãos dadas comigo e pouco me atrevi a experimentar coisas novas ou a tentar readquirir os hábitos antigos em prol da sanidade mental. E creio que entrei em burnout exactamente por causa disso: o ritmo de trabalho aumentou, mas eu não tinha acesso àquilo que me permitia manter sã mentalmente
Fui me fechando dentro desta bolha de receios até chegar ao ponto de começar a rebentar. Felizmente, tenho estado a ser acompanhada por uma psicóloga que detectou esta bolha antes de ficar completamente cheia e temos focado as sessões destes últimos meses em mandar a exaustão dar uma volta sem que tenhamos de recorrer à baixa médica e a medicação. Não sei se é por estupidez ou alguma vontade de provar a mim mesma que consigo ser mais forte ou por achar mesmo que consigo superar esta situação, mas fui sempre recusando a medicação. Porém, não a poderei recusar para sempre e tenho a noção que se continuar no emprego que estou, no próximo ano terei de recorrer aos medicamentos. E isso acaba por me assustar. Porque, apesar de ter a noção que entrei nesta bola de neve por causa da pandemia, esta apenas foi o rastilho. Os explosivos já lá se encontravam prontos a explodir. E isto deve-se ao ambiente tóxico do meu local de trabalho
Acredito que existam locais piores. Mas não acredito que isso sirva para desculpar a empresa. Lá por os outros estarem piores, não quer dizer que tenhamos de nos sujeitar a pressões, faltas de respeito e manipulação. E é isto que sinto. Sinto que o meu trabalho é regularmente desrespeitado pela entidade patronal que decide tomar decisões sobre o meu sector e não se digna a consultar-me nem a informar-me (sei das coisas sempre por terceiros e é porque eles achavam que eu já sabia). Vêm falar comigo em tom de confidência e falam mal da minha equipa e esperam que eu tenha mão neles e, no entanto, não existe qualquer procedimento quando alguém decide recusar-se a fazer um trabalho só porque lhes apetece ou se passam o dia inteiro ao telemóvel. Fazem asneira, obrigam-te a remediar as coisas e depois eles é que são os maiores. E por aí fora. E depois ainda vêm com a lenga-lenga que nas outras fábricas também é assim. Mas como é que alguém pensa em melhorar a qualidade do trabalho e do produto oferecido se continuamos a pensar que se as outras empresas também trabalham assim, então não estamos num mau caminho? É uma empresa cheia de vícios que tenta destruir-te lentamente
E começo a sentir isso. Começo a sentir que estou a ser despedaçada aos poucos. O desgaste mental é tanto que quando chego a casa só me apetece ficar a olhar para a parede e/ou ouvir música. Felizmente, tenho um grupo de suporte extraordinário que tem feito questão de não me deixar atirar para o tapete e me tem incentivado a levantar todos os dias e enfrentar o circo de feras. Se não fossem elas, acredito piamente que estaria de baixa médica e medicada há vários meses. Os dias tornaram-se mais fáceis com as saídas repentinas para um carioca de limão ou as chamadas até a hora de jantar. E graças a elas, chego ao último dia antes de férias minimamente sã. Com um sorriso nos lábios e uma calma ansiedade. Só tenho que enfrentar mais oito horas de trabalho e depois serão umas semaninhas de descanso e reflexão. Preciso mesmo de desligar o cérebro do trabalho e focar no que sinto e no que quero. Há muito que não consigo fazer estas reflexões e sinto-me realmente entusiasmada por finalmente poder dedicar-me a isso sem que a minha cabeça comece a pensar em tudo o que ainda tenho que ir fazer antes de ir dormir
Só são mais oitos horas. Depois, irei fazer uma rave no meu quarto até o sono abater-se sobre mim, desligar o despertador e adormecer com um sorriso nos lábios